segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Eclipse

                 As relações humanas. Como tentar entendê-las? Em alguns momentos podemos estar sorrindo num bar com amigos, em outros sentindo um sofrimento imensurável numa cama de hospital. Mas sempre temos pessoas ao nosso lado capazes de nos fazer sorrir no dia seguinte.
            Por mais que hoje espere por sua visita, por mais que na segunda vez que perguntei a ela, houve uma pequena pausa, como se estivesse pensando numa maneira de realmente aparecer outra vez para nos encontrarmos. Mas não há hoje a menor possibilidade. Eu preso de um lado, ela de outro, numa prisão que apenas nos impede por compromissos e esperas. Talvez fosse mais fácil suportar se fosse por prisão com grades, sem uma chance sequer. Certamente seria suportável para ambos.
            Mas não há o que lamentar a noite em que estivemos poucas horas juntos. Um reencontro com mistura de raiva da parte dela e saudade da minha. Porém mesmo assim, o sentir, essa necessidade humana que nos conforta, veio mais forte de tal maneira que não havia outra saída, precisávamos do toque, do beijo, do cheiro, para que de repente tudo se acalmasse e risos pudessem tomar conta deste quarto de hospital.
            Dizer que foi extraordinário, que parecia um sonho já vivido e que voltara a se repetir, sempre imaginamos um pouco mais, um minuto, um segundo, um instante que deveria durar uma eternidade e que passa voando.
            Um moribundo por mais que deteste a vida, pediria um minuto a mais de vida. As crianças choram como se necessitassem como um vício de mais um pouquinho no balanço da pracinha. Ontem fomos moribundos e crianças, queríamos o minuto e o pouquinho.
            É apenas mais um dia. De lembranças e suspiros saudosos, que possam ir se apagando aos poucos. Passa hoje um dia torturante, amanhã um menos doloroso, mas não menos cruel, e de repente volta à realidade tal como sempre foi. A gente novamente longe.
            Então milhões de pensamentos vêem à cabeça junto com lembranças e músicas que marcaram momentos em todos sentidos. E nesta manhã de sábado somente pairam no ar as dúvidas de um recomeço. Talvez tenha sido um momento. Não sei onde os pensamentos se perderam a ponto de não haver muitas escolhas.
            Estar em casa, estar sozinho, com ela, em outros lugares e simplesmente acordar num quarto de hospital. Como se o tempo tivesse passado tão depressa e a cada momento as opções vão diminuindo, a ponto de não se ter onde chegar.
            Impossível definir se pode ser espiritual, mas o fato é que as pessoas estão lá fora, com suas banalidades, e de repente aquele momento foi vivido por outras pessoas ao redor do mundo, mas não com tamanha intensidade e nem sequer perto da beleza. Aquele anjo chegando devagar, sentada longe na cadeira. Nos olhamos por bom tempo como dois estranhos e de repente aos poucos o que havia de sublime foi acontecendo.
            E assim pude lembrar de uma história contada que me serve de consolo nos dias de hoje apesar da saúde debilitada, resolvi pensar no amor e lembrei que antigamente o Sol e a Lua eram grandes amantes, antes do mundo existir. Viviam um romance tão intenso e belo. Porém Deus criou o mundo e teve que separá-los, pois o Sol tornaria os dias iluminados e a Lua as noites mais belas. Mesmo que o Sol tentasse consolar a Lua, falando da beleza das estrelas, Ela já não tinha brilho, nem forças para suportar esta separação.
            Foi então que Deus criou o eclipse, que acontece raramente, mas a Lua voltou a brilhar mais forte e o Sol se tornou mais alegre, porque em um período de anos eles podem se encontrar novamente e é nesse instante que eles matam sua saudade com um amor tão intenso que nem mesmo nós humanos podemos olhar diretamente para o eclipse, tamanha intensidade desse reencontro.
            Assim vi naquela mulher, nosso momento antes da criação do mundo e agora onde sempre fico à espera de um novo eclipse como aquele, pois sempre no reencontro parece que este amor se torna mais intenso. Mas o mundo precisa do Sol e da Lua depois desse intenso momento, e voltamos a estar distantes até que o próximo eclipse aconteça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário